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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O futebol na terra do Tio Sam


Além da Itália, que usa a palavra calcio, os Estados Unidos talvez sejam o único outro país no mundo que não chame futebol de futebol (ou football). Pra eles o nosso futebol é o soccer, que é uma abreviatura derivada de association football, designação pela qual o esporte era conhecido lá pelos idos do século XIX.
Bem, não é preciso saber muito sobre futebol pra saber que o soccer nunca foi um esporte muito bem quisto nas terras do Tio Sam. Dentre os esportes coletivos, o futebol nunca chegou perto da popularidade do basquete, do futebol americano, do beisebol e, mesmo, do hóquei no gelo. Todavia, isso tem mudado... e isso pode ser percebido não apenas pelo crescimento da Major League Soccer - MLS, que movimenta cerca de US$378 milhões em publicidade e recebe mais de US$90 milhões anuais para sua transmissão, mas também pelo chamado Fifagate, investigação sobre corrupção na FIFA e outra entidades futebolísticas deflagrada pela justiça americana. Para um panorama mais amplo, clique aqui e veja a reportagem de Pablo Uchoa para a BBC Brasil. Somando-se a isso o fato de que a ESPN Brasil e SporTV tem transmitido um número razoável de jogos da MLS nessa temporada, fiquei intrigado em entender melhor como funciona o futebol em terras yankees.
Em primeiro lugar, é preciso saber que o entidade máxima do futebol nos Estados Unidos é a United States Soccer Federation - USSF ou, simplesmente, US Soccer. Diferentemente do Brasil, e similarmente com a maioria dos países do mundo, a US Soccer apenas sanciona árbitros e competições de futebol (em suas diversas modalidades), sem organizá-las - com exceção da Lamar Hunt US Open Cup, ou apenas US Open Cup, um equivalente da Copa do Brasil e o torneio mais antigo dos Estados Unidos (disputado desde 1914), que conta com 91 equipes de todo o país. Também é responsável pelas seleções nacionais.
Em segundo lugar, é preciso saber que as ligas esportivas dos Estados Unidos diferem do modelo que nos é mais comum de liga: enquanto pelo mundo afora as ligas são associações de clubes, nos Estados Unidos a liga é uma organização central que vende participações em sua estrutura. Sendo assim, as equipes não são clubes, mas sim franquias da própria liga administradas por investidores. Isso nos trás alguns aspectos interessantes, como o fato de existirem várias ligas de um mesmo esporte pelo país, independentes entre si, cada qual observando suas próprias necessidades e que, por vezes, competem entre si - como o clássico caso da AFL e da NFL no futebol americano. Com isso, não observamos a existência de rebaixamento ou promoção nas competições... Uma equipe só passa a competir em uma liga quando uma franquia é criada; e cada liga tem suas próprias exigências sobre como isso ocorre. Além disso, diferentemente do Brasil e Espanha e similarmente à Inglaterra, a venda do produto da liga (o esporte), é feito pela liga e não pelas equipes. Todavia, diferentemente das ligas esportivas por todo o mundo, tudo o que é vendido pela liga é distribuído de maneira igual entre suas partes, isto é, as franquias. Claro que isso não impede algumas equipes de terem mais dinheiro que as outras, pois existe algo que é chamado de marketing e que gera rendimentos diferenciados entre as equipes. Ainda assim, é comum que a liga imponha limites financeiros, cobrando multas quando eles são ultrapassados, visando manter certo equilíbrio entre as equipes e não permitindo que graves discrepâncias atinjam o seu produto (o esporte). Entenda um pouco mais nesse artigo do Trivela - que já faz uma análise dos valores da MLS também.
No caso do futebol masculino, o que temos nos Estados Unidos é uma divisão entre ligas profissionais (MLS, NASL e USL) e as ligas amadoras (organizadas através da United States Adult Soccer Association - USASA). No futebol feminino, há a National Women's Soccer League - NWSL, como divisão principal, e diversas ligas amadoras também associadas a USASA. Ainda que meu foco sejam as ligas profissionais masculinas, um detalhe importante sobre a NWSL: ela surge em 2012, depois de várias outras ligas femininas fracassarem. Ou seja, até mesmo uma das potências do futebol feminino (seleção tri-campeã mundial e 12 indicações e 3 títulos de melhor jogadora do mundo) tem problemas para desenvolver a modalidade no país. Vale uma reflexão...
Bem, voltando ao nosso foco, ainda que não exista promoção ou rebaixamento, a US Soccer divide as três ligas profissionais em divisões: a MLS é a principal divisão (USSF Division I), sendo seguida pela North America Soccer League - NASL (USSF Division II) e pela United Soccer League - USL (USSF Division III).
A MLS, fundada em 1993 devido a realização da Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, conta atualmente com 20 equipes (17 americanas e 3 canadenses) divididas em duas conferências: Western Conference e Eastern Conference. Além disso, há mais 4 franquias qualificadas a participarem da liga nas próximas temporadas. A competição é disputada de março a outubro com as equipes fazendo 24 jogos contra equipes de sua Conference e mais 10 contra equipes da outra Conference. Além disso, como tradicionalmente ocorre em outras competições americanas, há a pós-temporada com os playoffs. Ela ocorre em novembro e 12 equipes se classificam para disputar essa etapa, que decidirá qual equipe ficará com o MLS Cup. Além do MLS Cup, a MLS também premia, desde 1999, a equipe com melhor regularidade na temporada com o Supports' Shield. Essas duas equipes se classificam diretamente para a CONCACAF Champions League. As outras duas vagas americanas são destinadas ao campeão de Conference que não tem o Supports' Shield e ao campeão do Lamar Hunt US Open Cup. Detalhe: a MLS conflita com as datas FIFA e, por isso, perde muito de seus jogadores para as seleções durante a temporada e pós-temporada. Todavia, se se adequar ao calendário da entidade máxima do futebol, terá problemas com o clima frio em certas regiões do país e terá de competir em atenção com a NFL (futebol americano), a NHL (hóquei no gelo) e a NBA (basquete).
Outro destaque importante da MLS, e que nos faz voltar na questão da liga enquanto organização central no esporte, é sua relação com os jogadores: os contratos dos jogadores são regulamentados entre o MLSPU (Major League Soccer Player Union, equivalente ao sindicato dos jogadores) e a MLS. Além disso, há restrições de gastos para as equipes: cada uma delas pode gastar, no máximo, US$3,1 milhões com salários por ano - o que dá uma média de pouco mais de US$32 mil por mês para cada jogador.  Ainda assim, há a Designated Player Law (Lei do Jogador Designado): criado em 2007 e sendo apelidada de Lei Beckham, por este ter sido o primeiro jogador contratado por essa lei, a DPL permite hoje que cada equipe tenha até 3 jogadores que ganhem acima do teto salarial, desde que a equipe com 3 DP pague US$250 mil dólares pelo terceiro DP. Esse dinheiro acaba sendo dividido entre as equipes que não contam com esse terceiro jogador. E assim as estrelas mundiais vão entrando na MLS. Outro ponto importante a ser ressaltado é acerca do fornecimento de material esportivo: como nas grandes ligas esportivas, o contrato é feito com a liga e não com os clubes. Dessa feita, temos todos os clubes com a mesma empresa de material esportivo (no caso, a Adidas) e recebendo o valor desse patrocínio via MLS.
Continuando, temos também a NASL. Fundada em 2009, sua disputa começou em 2011. Atualmente, conta com 11 equipes (9 americanas e 2 canadenses) e irá contar com mais 2 equipes a partir da próxima temporada (uma delas sendo uma equipe porto-riquenha e a outra sendo de propriedade de Alessandro Nesta). Não tem ligação direta com a antiga NASL, a não ser no nome. A competição é dividida em duas disputas, em modelo similar ao clássico américo-hispânico apertura e clausura. A Spring season (temporada de primavera), começa em abril e termina em junho, enquanto a Fall season (temporada de outono), começa em julho e termina em novembro. Em ambas seasons, as equipes jogam todas contra todas em turno único. O campeão de cada season, em conjunto com os dois melhores times do torneio na classificação geral (i.e., nas duas season) que não sejam os campões das seasons, se classificam para os playoffs da liga, denominado The Championship. Com isso, o vencedor da Spring season enfrenta o segundo melhor colocado geral e o vencedor da Fall season enfrenta o melhor colocado geral. Os vencedores dessa partida fazem o Soccer Bowl. Aqui, diferentemente da MLS, o acordo de fornecimento de material esportivo é feito pelas equipes e não pela liga.
Há, ainda, a USL, terceira e última divisão profissional dos EUA. Fundada em 2010 e iniciando as operações no ano seguinte, conta com 24 equipes (21 americanas e 3 canadenses) divididas em duas conferências: Eastern Conference e Western Conference. Há a previsão da entrada de mais 7 equipes na liga nos próximos anos. A maioria das equipes dessa liga ou são equipes B das equipes da MLS ou são equipes afiliadas às mesmas. A competição regular acontece entre março e setembro, com as equipes fazendo 22 jogos dentro da sua Conference e 6 jogos com equipes da outra Conference. As seis melhores equipes de cada Conference avançam para os playoffs, em outubro: o primeiro e o segundo de cada Conference ficam de chapéu e aguardam os vencedores das partidas entre o 3º e o 6º colocado e o 4º e o 5º colocado, respectivamente, para fazerem as finais de cada Conference. Sendo assim, os vencedores de cada Conference se enfrentam na USL Championship para decidir quem será o campeão da liga.
Por fim, fiquem com um mapa interativo com todas as equipes das edições atuais dessas ligas e com um pouco da história, títulos e conquistas mais importantes de cada uma delas:


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